Por Ruben Caixeta, Renata Diniz & Leonor Valentino
Antropologia UFMG
Vagalumes se forma como rede de voluntários, com o objetivo de prestar homenagem aos mortos e solidariedade às famílias dos povos indígenas afetados pela Covid-19 no Brasil e em países vizinhos. Nenhuma pessoa pode ser apenas um número entre centenas de milhares de vítimas da Covid-19. A pessoa que parte viveu uma vida, deixou parentes, amigos e relações! Algumas eram famosas e deixaram obras de arte, livros, filmes, ou tiveram postos de comando e voz, feitos guardados como rastros de sua memória. Muitas não obtiveram visibilidade pública ao longo da sua existência, porém deixaram ideias e pensamentos no seu círculo mais íntimo de relações, que se perpetuam no plano da vida espiritual e cultural de sua comunidade. Isso vale para qualquer ser humano. Mais ainda para os povos indígenas. Muitas pessoas indígenas nasceram, cresceram e se formaram em comunidades nas quais a forma de comunicação básica e também mais profunda e mais elevada é a oralidade. Produziram e transmitiram dessa forma conhecimentos sobre a vida, a floresta e todos os seres, humanos e não-humanos. A morte delas ameaça também essa forma particular de conhecimento e tradição de saber. A morte de uma pessoa indígena é, por isso, talvez, um acontecimento mais trágico para o seu povo e para o mundo - que perde essa sabedoria que o mantém em funcionamento. No avançar da pandemia as comunidades indígenas estão no olho do furacão: o sopro vital do seu modo particular de existência pode ser fatalmente sufocado, pode deixar de se estender para além das mortes individuais. Vagalumes é uma singela tentativa de guardar aqui entre nós, vivos, parte da memória das pessoas indígenas que se foram por causa da Covid-19 no Brasil e em países vizinhos e, assim, manter-nos conectados aos seus espíritos, hoje habitando algum lugar da floresta, do céu ou de uma estrela. Esse Memorial é uma maneira de manter presente a força e a potência do pensamento indígena, na expectativa de que ele nos ajude a suspender o fim do mundo e a disseminar entre nós todos e todas o bem viver!
Por que vagalumes? Porque achamos que os povos indígenas são como que vagalumes* no mundo atual, que brilham e piscam de tempos em tempos no meio da escuridão – trazendo-nos uma vaga esperança de que as atrocidades, os ódios, a intolerância e a cobiça desenfreada pelo lucro e pela devastação da natureza possam vir a ser transformados. A morte de cada pessoa indígena ameaça a existência dos povos indígenas, consequentemente, ameaça a própria possibilidade da vida plena no planeta. Cada morte apaga definitivamente uma luz. Sabemos, entretanto, que os povos indígenas já sofreram inúmeras quedas e destruições de mundo: a primeira grande destruição foi a invasão das suas terras pelos povos europeus, que trouxeram todo tipo de doença: sarampo, varíola, coqueluche, pneumonia! Antes da chegada dos europeus, havia milhares de almas indígenas no continente americano, de norte a sul eram algo em torno de 80 milhões. Hoje, resta pouco mais de 1 milhão. Elas são as mais valiosas almas que poderão garantir um novo normal (esperamos que seja um novo modo de vida pautado numa relação mais harmoniosa com a natureza) e um novo mundo pós-Covid-19!
Para acessar o Memorial Vagalumes: https://www.instagram.com/memorial.vagalumes/?hl=pt-br
-------- * Vagalume é uma imagem usada pelo filósofo francês Didi-Huberman para nos lembrar justamente dessas imagens provenientes de pessoas e seres minoritários que insistem em piscar e iluminar, mesmo quando a escuridão parece triunfar!
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